Uma das questões mais
discutidas na área educacional é, sem sombra de dúvida, a falta de
regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados. Gilda Araujo
(2010) já afirmava que a nova configuração do federalismo brasileiro trouxe
duas enormes complicações para a engenharia institucional e política do país:
“a primeira relativa ao tamanho e à heterogeneidade da Federação brasileira,
constituída, em sua maioria, por estados e municípios que sobrevivem com
repasses dos fundos de participação, e a segunda relativa à falta de clareza e
regulamentação do que consistiria o regime de colaboração (p. 753).
A aprovação de um Plano
Nacional de Educação é um momento em que este problema se evidencia. Não é
possível executar um PNE sem a concorrência de esforços de todos os entes
federados. E sem regime de colaboração regulamentado, como articular estes
esforços?
Quando foi enviada a
primeira versão do novo PNE (Projeto de Lei nº 8035/2010) comentei que o regime
de colaboração aparecia no texto como um fantasma vagando sem se materializar.
Aprovado o texto final e enviado a sanção presidencial cabe avaliar se esta
situação permaneceu inalterada ou se tivemos progressos na busca por dotar a
relação federativa de novos patamares.
No texto original a
expressão “regime de colaboração” aparecia 13 vezes e no texto aprovado foram
21 referências. Mas o que foi aprovado?
Há um avanço
importante. O artigo 7º e seus parágrafos tentam dar um passo adiante ao
previsto na CF e nunca regulamentado. No parágrafo 5º afirma-se que “será
criada uma instância permanente de negociação e cooperação entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Apesar de não restar claro o
formato, é uma mudança de qualidade, caso isso efetivamente ocorra, posto que
hoje as políticas federais não são pactuadas com os demais entes federados e,
mesmo quando consultados, o são nesta condição, como se tal procedimento fosse
uma deferência do ministro de plantão.
Da mesma forma o
parágrafo 6º do mesmo artigo afirma que “o fortalecimento do regime de
colaboração entre os Estados e respectivos Municípios incluirá a instituição de
instâncias permanentes de negociação, cooperação e pactuação em cada Estado”.
Essa é uma reivindicação antiga, especialmente dos gestores municipais, depois
de conturbadas relações com os governadores, as quais vão desde relações de
clientela eleitoral até imposição pura e simples.
Também registro como um
avanço duas referências a prazos para regulamentar a questão. No artigo 13 é
estabelecido dois anos para a instituição (somente possível após a aprovação
pelo Congresso e sanção presidencial) de lei sobre o “Sistema Nacional de
Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime
de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano
Nacional de Educação”.
No mesmo sentido temos
a redação da Estratégia 20.9, a qual também estabelece um prazo de dois anos
para que seja regulamentado o parágrafo único do artigo 23 e o artigo 211 da
Constituição Federal, de forma a estabelecer as normas de cooperação entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Apesar de parecer
exótico que uma Lei ordinária dilate por mais dois anos algo estabelecido como
obrigação legal desde 1988, esta estratégia inova ao enumerar alguns parâmetros
para a referida regulamentação: a mesma deve garantir “equilíbrio na repartição
das responsabilidades e dos recursos e efetivo cumprimento das funções
redistributiva e supletiva da União no combate às desigualdades educacionais
regionais, com especial atenção às regiões Norte e Nordeste”.
As demais citações
sobre regime de colaboração não acrescentam novidades ou então apenas trabalham
com uma confusão recorrente de que os programas nacionais existentes já seriam
expressão de um regime de colaboração. Recorro-me de Araujo (2010) novamente,
pois os chamados “minipactos” realizados pelo governo federal não podem ser
vistos como materialização de um regime de colaboração e sim são exemplo de
políticas reguladas nacionalmente com forte incidência nas autonomias estadual
e municipal, não necessariamente contando com o aval ou com real participação
na configuração destas políticas dos demais entes.
O que está escrito é
suficiente? Acho que não. Considero que perdemos uma oportunidade de explicitar
em várias metas e estratégias a tarefa de cada ente federado e o legislativo se
contentou em anunciar que tais tarefas precisarão de um regime de colaboração,
declaração que não garante compartilhamento de esforços entre os entes.
Contudo, os avanços
escritos no PNE permitirão forte mobilização dos estados e municípios para que
o regime de colaboração seja materializado. Esta será uma batalha a ser travada
nos próximos dois anos.
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