quarta-feira, 22 de abril de 2020

Ricos e pobres na pandemia


É verdade que o coronavírus não tem preferência por pessoas ricas ou pobres. Nesse sentido podemos dizer que, em tese, as chances de um rico e um pobre serem contaminados é igual. Aliás, não foram os pobres que trouxeram o vírus para o Brasil, retornando de viagens internacionais.
Mas a igualdade termina aqui. No restante do percurso a desigualdade já está fazendo a diferença. Vejamos:


Foto: Raimundo Pacó



Quarentena: Os ricos e as camadas médias da população, com empregos estáveis, profissionais liberais e funcionários públicos possuem muito mais condições para cumprir o isolamento social do que os trabalhadores assalariados, ambulantes, empregadas domésticas, desempregados e demais deserdados desse país. Os pobres continuam, como regra, trabalhando. Nos prédios em quarentena continuam trabalhando quem limpa, quem vigia, quem cuida do conforto dos que estão nos apartamentos.
Dou meu exemplo. Sou professor universitário, estou em casa, não tenho empregada doméstica. Meu filho mais velho, trabalha numa empresa que presta serviço de vigilância e portaria. Todo dia ele atravessa o Distrito Federal para trabalhar e tem contato durante doze horas com os moradores do prédio onde trabalha. O risco do meu filho ser contaminado é infinitamente maior do que o meu, que saio uma vez por semana para buscar meu outro filho e comprar alimentos.
Assistência médica: uma pessoa rica ou assalariada, via de regra tem algum plano de saúde. Se passar mal ou tiver algum sintoma, a minha primeira providência não será entrar na fila de uma UPA. Não, eu iria num dos hospitais credenciados pelo meu plano de saúde.
Bem, os mais pobres não possuem plano de saúde, dependem do atendimento nas unidades de saúde, que já estavam superlotadas e com poucos médicos antes da pandemia. Os relatos de filas de pessoas passando mal que me chegam de Manaus e Belém, para dar exemplo de locais que conheço bem, são desesperadores. Tem UPA que está fechada. Tem UPA que já está lotada. As pessoas pobres nem entrarão nas estatísticas e muitos morrerão em casa, como está acontecendo em Manaus. E serão enterrados sem que se saiba a causa da morte.
Testes: O acesso a testes no Brasil é ridículo até o momento. Faz mais de mês que o Ministério anuncia chegada de testes e isso esses estão quase virando lenda urbana. Agora, no final de abril, o Distrito Federal e outras poucas cidades começaram a fazer testes. No DF é no esquema de drive thru, com pessoas nos seus carros, muito seguro. Mas, e a maioria da população que não possui carro? Vai ser testada quando? Ou a testagem é privilégio de bairros nobres e os mais pobres somente serão testados quando conseguirem ser atendidos, depois de passarem a noite inteira, no sol e na chuva e em aglomerações nas portas das UPAs que estiverem funcionando?
Leitos de UTI: Partidos de oposição, com destaque para o PSOL, pressionam para que exista fila única de leitos de UTI, por que parte relevante desses leitos estão em hospitais privados e não estão disponíveis para atendimento no SUS. A rede pública já está ficando saturada ou entrou em colapso em muitas cidades, mas isso não quer dizer que todos os leitos existentes naquele Estado ou cidade estão sendo utilizados, é que a parte privada aguarda doentes de seus convênios. É justo isso?
Até a morte não é igual, ou alguém acha que as valas comuns serão o destino dos mais ricos?
Por fim, o colapso sempre começa nos elos mais fracos, sejam as pessoas os as cidades. É no Norte e nordeste que o sistema já começou a entrar em colapso. Infelizmente a sensibilidade do país para o a tragédia cotidiana dessas regiões ainda é pequena, parece algo distante. Não é à toa que as camadas médias choraram pelos mortos na Itália e quase não perceberam os mortos de Guayaquil (Equador). Será que sem a nuvem de fumaça sobre São Paulo as queimadas na Amazônia teriam tido o destaque que tiveram? Será que despertaremos somente quando as covas rasas e filas de carros fúnebres acontecerem no Rio ou São Paulo?
Tenho lido muita gente otimista dizendo que o mundo sairá melhor desta pandemia, mais solidário, mais coletivo, mais preocupado com o próximo. Não acredito nisso, infelizmente. O que pode acontecer, da mesma forma que as catástrofes e guerras evidenciaram no passado, é que a desigualdade fique mais evidente e isso faça com que mais pessoas lutem contra ela.
É necessário que se garanta, com urgência uma fila única de leitos de UTI, que se garanta material de EPI para profissionais de saúde, não somente para aqueles que estão monitorando pacientes na UTI, mas para aqueles que estão na porta de entrada do sistema, fazendo a triagem de pacientes e atendendo casos leves e moderados.
É necessário que tenhamos mais leitos e fila única para todos os leitos existentes, a exemplo do que vários países da Europa fizeram.
É necessário fazer testes em massa, de forma a que os dados sejam confiáveis e que se possa ter informações para operar medidas sanitárias cientificamente amparadas.
É necessário viabilizar as condições para que as pessoas mais pobres fiquem em casa, garantindo estabilidade do emprego e renda emergencial.

Nenhum comentário: