A tramitação do Plano Nacional de Educação pode servir para
estudos sobre o poder de incidência política do que se denomina de sociedade
civil organizada. Mas para isso vale primeiro anotar algumas definições sobre o
que estamos chamando de sociedade civil neste post.
Tudo que não é Estado pode, em termos teóricos, ser arrolado
como sociedade civil. Ou seja, um conceito por demais amplo para definir que
proposições e interesses mobilizaram atores sociais para influenciar o PNE. Com
este conceito tanto posso estar falando de uma articulação de sindicatos, de
organizações estudantis ou de fundações privadas vinculadas ao sistema
bancário. E certamente o que cada um desses atores defenderiam em um plano
educacional serão distintas.
Podemos dizer que pelo menos quatro tipos de articulações da
sociedade civil tentaram incidir na tramitação do plano:
1º. Uma rede de entidades populares, sindicais, estudantis,
de ONGs e de gestores municipais denominada Campanha Nacional pelo Direito à
Educação.
2º. Uma rede de organizações empresariais denominada Todos
pela Educação.
3º. Um conjunto nem sempre articulado de entidades civis e
religiosas vinculadas ao atendimento educacional aos deficientes.
4º. Uma articulação sindical e popular em torno do
Plebiscito por 10% do PIB para a educação pública.
A Campanha Nacional teve forte incidência durante todo o
processo de tramitação. Na verdade sua influência já se fez sentir durante a
realização da CONAE. Uma das evidências desta influência foi a aprovação do
Custo Aluno-Qualidade como referência para o financiamento educacional na
referida Conferência e a capacidade que teve em pautar tal discussão durante
todo o processo.
Na maior parte dos momentos os interesses da Campanha
Nacional estiveram em lado opostos aos defendidos pelo governo, tornando esta
rede uma espécie de contraponto, credenciando a mesma como principal
interlocutora dos movimentos sociais. Tal capacidade foi reconhecida pelos
relatores da matéria na Câmara e no Senado. Foi de iniciativa desta rede de
entidades um conjunto bem variado de emendas que foram incorporadas ao texto
final, com destaque para a aprovação de 10% do PIB para a educação pública, a
implementação do CAQ com auxílio da União e as referências explícitas a
participação pública nas metas 11 e 12.
O debate sobre o percentual do PIB foi efetivamente
polarizado por esta rede. A nota técnica que foi lançada em 2011, as audiências
públicas que participou e a capacidade de aglutinar entidades acadêmicas em torno
de suas proposições são provas desta incidência.
O Movimento Todos pela Educação também trabalhou para ter
incidência na tramitação. Tiveram a vantagem de haver similaridades entre suas
proposições e as ideias dominantes no governo, especialmente as que diziam
respeito a dar primazia no texto a avaliação em larga escala de desempenho com
medida de qualidade e o aprofundamento de “parcerias” entre o setor público e
privado na prestação dos serviços educacionais. Assim, é difícil saber o quanto
estas propostas prevaleceram devido a sua articulação ou devido ao peso
institucional e político do governo sobre os parlamentares. Em vários momentos
a sua pauta conseguia transitar entre a base governista e a base parlamentar da
oposição conservadora. Apesar destas características não é possível afirmar que
o texto sofreu forte influência de sua atuação sobre os parlamentares, estando
muito distante do que o jornalista Nassif afirmou recentemente.
Já o conjunto de entidades que trabalham com o atendimento
de deficientes mostrou, mesmo que não de forma unificada, uma forte capacidade
de influenciar os parlamentares na pauta especifica que os mobiliza, ou seja,
no embate entre atendimento inclusivo ou exclusivo. Esta capacidade de
influenciar fica evidente nas emendas formuladas e na polarização que
conseguiram promover acerca da redação da Meta 4. Apesar desta força, nos
demais pontos do PNE este agrupamento não teve incidência relevante.
O quarto grupo, que se formou no início da tramitação em
torno da bandeira dos 10% do PIB e que promoveu um plebiscito sobre o tema, em
que pese abraçar uma das principais bandeiras em debate, teve fraca incidência
no processo de tramitação. Certamente a resistência em apresentar emendas e a
dificuldade de fazer ações conjuntas com outros grupos contribuiu para este
isolamento.
Além dos quatro grupos podemos afirmar também que entidades
sindicais, como a CNTE e estudantis, como a UNE, tiveram também individualmente
alguma incidência, especialmente nos temas afeitos às suas bases, mas seu papel
foi mais relevante quando somaram esforços com articulações mais amplas. A
batalha pelos 10% do PIB conseguiu unir amplos setores populares e estudantis,
por exemplo.
Destaco que em vários momentos a representação institucional
dos gestores estaduais e municipais se fez presente. A participação dos
gestores municipais junto a Campanha tornou mais forte a incidência deste
segmento. O CONSED ficou isolado no fogo cruzado entre governo federal e
sociedade civil. Entretanto, a pauta especifica federativa poderia ter tido por
parte das duas representações um peso proporcional a importância do tema.
Vale anotar que na reta final os setores fundamentalistas,
que estiveram entrincheirados na Comissão de Direitos Humanos da Câmara se
mobilizaram para retirar do texto qualquer referência ao debate de gênero, mas
fora deste tema não tiveram incidência digna de nota.
A explicação de uma parte significativa do texto deve ser
buscada na força (ou na fraqueza) da sociedade civil em influenciar os
parlamentares e pressionar o governo. A força esteve presente nos momentos em
que tal mobilização representou um contraponto progressista na redação contra
posições conservadoras do governo ou junto com o governo batalhando contra
retrocessos fundamentalistas. E a fraqueza se fez presente quando tais
segmentos não conseguiram distinguir os alinhamentos políticos partidários de
suas lideranças dos interesses concretos de suas bases.
Um comentário:
Professor, apesar que nos textos anteriores vc já tratou um pouco do tema, acho bem válido fazer um texto só sobre o movimento que defendia 10% do PIB para a educação pública, que no final nesse quesito, acabou sendo derrotado.
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