sexta-feira, 13 de abril de 2012

Que caminho sinalizar?

Um dos debates mais importantes das políticas públicas em educação é sobre a relação público versus privado. É um debate antigo e que sempre retorna.

Já escrevi neste espaço virtual que o Projeto de Lei nº 8035/2010, que institui o Plano Nacional de Educação, possui de maneira escondida em suas entrelinhas uma opção de compartilhamento da expansão das vagas entre o público e o privado.

Na educação infantil isso está claro na estratégia 1.4, onde se pode ler:

Estratégia 1.4: Estimular a oferta de matrículas gratuitas em creches por meio da concessão de certificado de entidade beneficente de assistência social na educação.

No relatório do deputado Vanhoni esta questão não foi resolvida e a redação do seu substitutivo passou a ser a seguinte:

1.7) Articular a oferta de matrículas gratuitas em creches certificadas como entidades beneficentes de assistência social na área de educação com a expansão da oferta na rede escolar pública.

Ou seja, manteve-se um claro incentivo ao incremento do formato precarizante de prestação do serviço de educação infantil, especialmente em creche, pois é justamente nesta faixa etária que a oferta é mais reduzida (23,6% das crianças de zero a três anos estavam estudando em 2010, sendo que 36% destas vagas eram privadas).

No dia 20 de março deste ano o governo federal editou a Medida Provisória nº 562, que neste momento está em debate no Congresso Nacional. E o texto desta MP reacendeu a polêmica anunciada no inicio deste texto.

A proposta do governo é prorrogar a contabilização das matrículas conveniadas de pré-escola para efeitos redistributivos do FUNDEB. A proposta de redação do parágrafo 3º do artigo 8º da Lei nº 11494/2007 passaria a ser a seguinte:

Artigo 8º.......................................................
................................................................
§ 3º. Será admitido, até o ano de 2016, o cômputo das matrículas das pré-escolas, comunitárias, confessionais ou filantrópicas, sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público e que atendam às crianças de quatro e cinco anos, observadas as condições previstas nos incisos I a V do § 2o, efetivadas, conforme o censo escolar mais atualizado até a data de publicação desta Lei.

Esta nova redação permite que todas as matrículas de pré-escola em instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas, que sejam sem fins lucrativos e conveniadas com o poder público, voltem a ser contabilizadas no FUNDEB.

Em 2007 a decisão do legislador foi de um prazo de quatro anos para esta medida e que o contingente de matrículas ficasse congelado nos dados do censo de 2006. Pela Medida Provisória não somente voltarão a ser contabilizadas como serão descongeladas.
Durante esta semana fiz contatos com o INEP e FNDE, buscando conhecer os números do problema e as informações oficiais são preocupantes:

1º. O FNDE cumpriu a lei e durante quatro anos contabilizou as matrículas conveniadas de pré-escola no FUNDEB (2008 a 2011). Este valor ficou congelado em 104.160 matrículas em pré-escola em tempo integral e 58.944 em tempo parcial (dados do censo escolar de 2006).

2º. Pelos dados do INEP em 2011 foram registradas no censo escolar 284.373 matrículas conveniadas com o poder público, mas destas apenas 209.511 foram oferecidas por entidades sem fins lucrativos. Portanto, o texto da MP acrescenta 46.407 matrículas novas, pois terá como referência o censo escolar de 2011.

3º. As matrículas de creche, que não obedecem ao congelamento em 2006 pode nos ajudar a compreender o que acontecerá na vigência da redação da MP para as matrículas de pré-escola. Em 2009 o conveniamento de creches em tempo integral era de 186.550 e em apenas quatro anos passou para 303.135 matrículas. A creche em tempo parcial passou de 27.765 (2009) para 39.773 (2012).

4º. Comparando a taxa de crescimento nos últimos quatro anos entre oferta pública e oferta conveniada o resultado também é preocupante: creche integral pública cresceu 26% e a conveniada cresceu 62%. A oferta pública de creche em tempo parcial cresceu 35% e a conveniada cresceu 43%.

A sociedade civil concordou com a contagem das matrículas conveniadas como forma de não criar dificuldades aos municípios, mas professava que tal formato fosse transitório, por que a obrigação de ofertar as matrículas de educação infantil é do poder público diretamente.

A evolução das matrículas conveniadas em creche mostrou que não ocorreu transição, pelo contrário, houve um incremento no modelo precário de atendimento.
A Medida Provisória estendeu para a pré-escola o que já era regra para a creche.

Esta decisão é coerente com a ideia presente no texto do PNE, segundo a qual a oferta educacional não necessariamente precisa ser pública, podendo ser ofertada por particulares subvencionados pelo poder público.

Nada menos que 27,2% das matrículas privadas de pré-escola foram subvencionadas pelo poder público em 2011, inclusive uma boa quantidade nem se enquadra como sem fins lucrativos, o que é mais absurdo ainda.

Pressionados pelo prazo de 2016 para universalizar a oferta de pré-escola, os municípios devem enxergar com simpatia a Medida Provisória. Mas devemos nos perguntar qual será a consequência para o atendimento da educação infantil de cada uma dessas decisões. Não acho correto que sejamos cúmplices de uma estratégia de universalizar o acesso de crianças de quatro e cinco anos, mas vinculada a uma precarização do modelo de atendimento.

É uma repetição de uma prática recorrente nos momentos de expansão da oferta de vagas em nosso país. Mas parece que não aprendemos com os erros do passado, apenas o reproduzimos com novas roupagens.

Um comentário:

  1. Prezado Luiz,


    Ótimo comentário, posicionamentos corretíssimos dispensando muito falar. Reproduzo meu pensamento utilizando seu último parágrafo, em síntese, a mesma história com nova roupagem.

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