Nesta manhã se realizou uma audiência pública na Comissão de Educação do Senado sobre a publicização das avaliações do MEC sobre a Educação Básica. Confesso que minha expectativa era de um debate mais amplo sobre o tema, mas acabou se circunscrevendo ao tema de colocar ou não as notas do IDEB na porta das escolas.
Esta proposta já é praticada por algumas prefeituras e alguns estados e é ardorosamente defendida pelo senhor Gustavo Ioschpe (economista e colunista da Revista Veja). A intervenção deste senhor durante a audiência foi mais uma peça de marketing de sua proposta do que uma reflexão teórica, algo esperado de um palestrante apresentado como especialista em educação. E seus argumentos simplistas são de fácil aceitação pelo senso comum vigente.
Gostei muito da intervenção do professor Jose Marcelino Pinto (USP), que alertou para a insuficiência do IDEB e de outras avaliações para dizer alguma coisa sobre a qualidade da escola ou da rede de ensino.
Este pesquisador, fundamentando sua s afirmações em pesquisas acadêmicas, mostrou os riscos da medida em discussão:
a. Poderá afastar das escolas com notas mais baixas as famílias com renda mais alta, tornando mais segregada a escola onde se identificou um problema;
b. Poderá afastar também os professores com melhor formação e experiência, fenômeno que já acontece com frequência na lotação das redes;
c. O pobre não tem como exercer o propalado direito de escolha, não tendo como migrar pra outras escolas;
d. A medida caminha em direção contrária ao mandamento constitucional. O certo seria tratar de maneira desigual os desiguais, ou seja, é preciso mais atenção e apoio material e pedagógico para as escolas com pior desempenho e não a sua estigmatização;
e. Estimulará as escolas a excluir os alunos com baixo desempenho das provas, fenômeno já detectado em outras avaliações; e
f. Que é impossível evitar a montagem de ranking.
Uma das marcas de continuidade entre o governo Fernando Henrique e Lula certamente é a manutenção das avaliações em larga escala. Estas avaliações partem do pressuposto de que aferindo a aprendizagem dos alunos em alguns conhecimentos básicos se consegue medir a qualidade da educação da rede pública ou privada.
A premissa está equivocada. Para se ter uma avaliação do desempenho de uma rede escolar é necessário verificar, dentre outros elementos:
1. A diferença de insumos que cada rede oferece as suas escolas, ou seja, as condições de oferta são diferenciadas e provocam resultados diferenciados;
2. O perfil dos alunos de cada rede, pois estes alunos não chegam à escola nas mesmas condições, como se fossem um livro em branco pra ser preenchido pela instituição escolar. O acesso a bens culturais materiais e imateriais faz enorme diferença na capacidade de aprender;
3. O currículo aplicado em cada rede escolar; e
4. A formação inicial e continuada dos docentes e a proposta pedagógica praticada.
O uso de exames de larga escala pressupõe a escolha de um determinado currículo, o qual pode estar expresso em conhecimentos básicos ou habilidades requeridas.
Mas o principal problema é que estas avaliações reforçam a visão de que o papel do MEC é de uma espécie de agência reguladora. A rede da educação básica é ou estadual ou municipal. A rede de ensino superior é 84% privada. Então a função do MEC passa a ser controlar a “qualidade” e regular o sistema. Este é o primeiro grande problema.
No decorrer do governo Lula foi aprofundado o sistema de avaliações. O antigo provão foi substituído pelo Enade. A avaliação do ensino superior foi onde se conseguiu uma maior integração dos fatores listados acima para avaliar as instituições, pois se checa as condições de oferta dos cursos para construir os indicadores divulgados pelo MEC.
Na educação básica foi criado um indicador complexo chamado IDEB. Este indicador reúne as notas da Prova Brasil (antigo SAEB) e os dados de aprovação, reprovação e evasão. Daí constrói um indicador numérico. Não absorveu até o momento nenhum elemento das condições de oferta, mesmo que na educação básica este procedimento fosse muito mais necessário do que no ensino superior, pois a discrepância entre redes e escolas é muito maior.
Outro debate é sobre a utilização dos dados. Temos combatido a prática de ranqueamento de instituições, redes ou escolas. Essa prática começou no ensino superior e agora tem se espalhado para a educação básica.
Como a Prova Brasil agora é universal e seus dados são válidos por escola, travou-se uma polêmica sobre afixar ou não na porta das escolas as notas médias da instituição. Alguns defendiam que isso estimularia a escola a melhorar e ofereceria aos pais a oportunidade de escolher as melhores escolas. Isso é totalmente absurdo. Por quê?
1. Os pais não possuem “direito de escolha”, precisam colocar seus filhos em escolas próximas de suas casas;
2. As escolas que recebem menos insumos materiais e pedagógicos, os quais devem ser fornecidos pela respectiva secretaria estadual ou municipal, não são culpadas pelas notas baixas dos seus alunos e não podem resolver sozinhas o problema;
3. As escolas que recebem crianças de famílias mais pobres, de famílias cujos pais não são alfabetizados, que não possuem tempo nem conhecimento para reforçar os estudos dos filhos, que não podem oferecer acesso a bens culturais ou a livros, por que estas escolas devem ser estigmatizadas com suas notas pregadas na porta da escola. O que isso melhora a autoestima das crianças e da comunidade?
E o principal: a avaliação não é para punir e sim para consertar os problemas. Um indicador deve servir para direcionar as políticas públicas para enfrentar as carências. E a União possui papel constitucional supletivo que deve ser incrementado.
Por fim, o ministro acaba de anunciar mais uma prova universal. Foi formatada uma prova para ser aplicada para crianças de oito anos, para verificar índices de aprendizagem e alfabetização. Ela é hoje não obrigatória, amostral e aplicada pelas próprias redes. Agora ele quer transformar isso em mais uma prova em larga escala. Vai submeter crianças de oito anos a tensão de uma prova nacional e depois expor seus resultados. Esta é a forma do MEC contribuir com os dados alarmantes do norte e nordeste que o ministro expôs na audiência no Senado? Com certeza não é.
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