Na semana passada o INEP viveu o seu inferno astral. Na véspera da aplicação da prova do ENEM para mais de quatro milhões de alunos, o jornal Estado de São Paulo foi contatado por pessoas que possuíam questões da prova a ser aplicada.
A prova foi cancelada, sua aplicação adiada e ávida de milhões de estudantes profundamente tumultuada.
Todo mundo ficou tentando descobrir quem vazou e como conseguiu. Não acho essa questão a mais relevante. É verdade que é imprescindível descobrir o autor (ou autores) do delito. E, obviamente, descobrir por que as pessoas que conseguiram tal intento resolveram tentar vender as questões para o jornal e não para ávidos donos de cursos pré-vestibulares ou então para desesperados alunos de Medicina ou Engenharia, algo mais razoável.
Segundo a PF, até agora foi possível identificar a participação de três pessoas: Felipe Pardella, que era funcionário contratado temporariamente pela Cetro, uma das três empresas que compõem o consórcio Connasel --responsável pela elaboração e aplicação do Enem--, e atuava na Plural, gráfica contratada pelo consórcio para imprimir as provas. Também estão sendo investigados o empresário Luciano Rodrigues e o DJ Gregory Camillo de Oliveira Craid, que receberam a prova de Pradella e tentaram negociar com o Estado de são Paulo.
Não conheço as empresas que ganharam a licitação, nem tampouco a capacidade técnica delas. Mas considero que o caso demonstra um dos efeitos colaterais das transformações feitas no ENEM pelo MEC. No momento em que se consolidou o ENEM como principal porta de entrada para um curso universitário, a busca por informações do conteúdo das provas virou um grande negócio.
Durante anos a prova do ENEM foi feita sem que fosse registrado tal problema. Não que a empresa anterior (Cesgranrio) fosse melhor ou pior do que o consórcio vencedor do certame este ano. É que não havia um mercado a oferecer dinheiro para o delito de roubar as questões da prova, coisa freqüente nos vestibulares das instituições de nível superior no país.
Algumas perguntas precisam de respostas:
1ª. Como o funcionário (caso se comprove sua culpa) conseguiu ter acesso as questões da prova?
2ª. A falha foi em que parte da operação: na elaboração, na guarda do CD ou na reprodução da prova?
3ª. Por que tendo acesso a tão valioso material o referido funcionário e seus dois amigos decidiram vender justamente para um jornal e não procuraram fontes mais rentáveis pro negócio, pois obviamente ao vender para o jornal provocariam o cancelamento do certame?
4ª. Quem seria beneficiado pelo cancelamento das provas? Era previsível que o contrato do consórcio fosse cancelado? Quem seria beneficiado com isso?
Muitas perguntas, mas ainda pouquíssimas respostas.
Muitas perguntas, mas ainda pouquíssimas respostas.
4 comentários:
Aí estão os resultados colaterais das terceirizações dos serviços públicos. Certamente podem existir trabalhadores do setor público corruptos, mas certamente a preocupação com a coisa pública, com o bem público ou ao menos com o seu tão falado emprego público faz com que funcionários públicos não vendam, ao menos com tanta frequencia, gabaritos e provas de concursos. Quem foi ou como fez, ao meu ver, é o de menos. Mais importante é tentar ver os motivos que levam alguém a tentar desacreditar o ENEM. e talvez entre estes motivos possam estar alguns bem maiores do que simplesmente os financeiros.
Pegando gancho na questão das terceirizações, que os tucanos eufemizam como "parcerias", pela urticária que se lhes provoca chamá-los de privatistas a qualquer preço, na capital e no estado de SP a saúde pública, o SUS está sendo totalmente descaracterizado, terceirizado. Aonde isso tudo vai dar ninguém sabe, todavia lidar com a vida humana não é a mesma coisa que privatizar empresa de telefonia.
Gostaria de olhar este problema de um outro ângulo, do ponto de vista da luta de classes. Entendendo que as universidades públicas Estaduais e Federais que estam se retirando do ENEM, estão fazendo o jogo da classe dominante, pois novamente vão beneficiar aqueles alunos que podem pagar boas escolas particulares e bons cursinhos, e só serem aprovados com uma única prova que é a do vestibular, que é outra distorção do sistema de ensino que o ENEM vinha contribuindo para acabar. Recentemente foi publicado pela imprensa que em diversas universidades públicas, a maioria dos alunos já são egressos de escolas públicas (gratuítas, mudando o perfil sócio-econômico dos frequentadores das universidades públicas brasileiras.
Gostaria que especialistas em sociologia e economia da Educação pudessem confirmar ou não estas minhas desconfianças. Concluo então que o vazamento da prova do ENEM interessa à gente muita poderosa, passando destes escolas privadas, cursinhos até a mudança da trajetória política que o ENEM estaria introduzindo no ensino médio e superior publico e privado do Brasil.
Jacob Teubl
Quando escrevi meu comentário, não havia lido ainda o artigo do professor Roberto Leher acerca do vazamento da prova do ENEN. Concluo que meus comentários vão de encontro com a opinião do professor.
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