quarta-feira, 29 de abril de 2009

A quem interessa ranquear o Enem?


O INEP divulgou esta semana um ranque com as notas das escolas no último ENEM. A grande mídia usou e abusou, fez comparações, listou as melhores, as piores, tentou encontrar explicações para o sucesso de umas e para o fracasso de outras.

Em entrevista publicada pela Revista do ENEM de 2007 o atual presidente do INEP, Reynaldo Fernandes, afirmava que a “prova do ENEM, mesmo que se deseje manter o mesmo grau de dificuldade, muda um pouco de ano para ano. Se cai a nota dos alunos num ano, fica difícil dizer se eles aprenderam menos ou se, simplesmente, a nota foi menor porque a prova foi mais difícil”.

O professor Ruben Klein, que em artigo publicado em 2003 alertava para o fato de que o Saeb possui uma escala única e o Enem não, pelo fato de seus candidatos não serem nem uma população e nem uma amostra, não permitindo a comparação de desempenho ao longo do tempo.

Não tenho conhecimento de mudanças metodológicas operadas no formato do ENEM. É verdade que a proposta de transformar a prova do ENEM em prova unificada do vestibular levará a sua reformulação, mas isso ainda não aconteceu.

Fica então a pergunta: para quem serve a divulgação de ranque com notas do ENEM se as mesmas não podem ser comparáveis com os anos anteriores? Ou seja, o fato de uma escola pública ou privada aparecer em melhor colocação este ano não quer dizer obrigatoriamente que sua educação está melhor, nem que seus alunos melhoraram.
Na mesma entrevista de 2007 o presidente do INEP afirmou que “o ENEM é usado também para avaliar o desempenho dos sistemas de ensino”.

Seria interessante que o INEP esclarecesse de que forma esta prova está sendo utilizado com instrumento de avaliação dos sistemas de ensino e, obviamente, em que unidades da federação isso vem acontecendo.

Pelo visto a única forma encontrada de influenciar o ensino médio é permitir que a imprensa construa conclusões afobadas e sem base científica sobre a qualidade de nossas escolas.

O Globo chegou a seguinte conclusão: “A falência das redes públicas estaduais de ensino é o resultado que emerge dos últimos números do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2008). Entre as mil escolas do país com piores notas no último exame, realizado ano passado, 965 são das redes estaduais”.

Esta postura conseguirá somente aumentar o preconceito contra as instituições públicas, mas não me parece que esta seja uma tarefa institucional nem do INEP nem do MEC.

2 comentários:

  1. Caro Luiz,

    Devemos cobrar do MEC/INEP o esclarecimento do que significa este exame, já que, diferentemente da Prova Brasil, não é nem amostral nem censitário, não há como comparar os resultados ... ou seja, não se sustenta estatisticamente.

    Como permite concluir a tua crítica, o tratamento do Enem como se fosse uma avaliação de escolas ou de redes de ensino (e não de estudantes indivudual e separadamente considerados) só permite uma conclusão de natureza ideológica: o problema da educação no País é a escola pública, ou seja, justamente o inverso do real – que é a profunda mercantilização da educação, na qual quem pode compra até resultados oficiais.

    Assim, o ranqueamento dos resultados do ENEM proposto pelo INEP na forma como vem sendo utilizado serve, primeiramente, ao mercado da educação. Fico pensando, lendo os jornais aqui em SP, se não serviria também aos interesses político eleitorais construídos em torno do "fracasso absoluto" das escolas públicas estaduais. Confesso que a simples possibilidade de considerar tamanha perversidade me assusta enormemente.

    Abraços,

    Salomão Ximenes (SP)

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  2. Concordo com o Luiz e com o Salomão e vou mais longe.
    Embora reconheça os avanços do Enem em relação a provas conteudísticas, o que é preciso avaliar é o processo de avaliação que os professores e as escolas usam do 1º ano do ensino fundamental em diante.
    Gostaria de começar a discussão com três reflexões.
    A primeira é óbvia, mas fundamental: os professores querem mesmo que seus alunos aprendam ? E que TODOS(AS) aprendam ? É claro que existe muito mais dificuldade de alfabetizar uma criança filha de analfabetos, mesmo que funcionáis, do que filha de pais leitores e escritores. E essas dificuldades são o beabá de um curso normal de nível médio ou de um curso de pedagogia. Mas, para que todas as crianças se alfabetizem ou cheguem a um nível sustentável de letramento,a escola e as professoras precisam querer que todas elas aprendam. Se se "conformam" com 20, 10 ou mesmo 5% de "reprovação", fatalmente vão se acomodar. E atenção: querer que TODOS aprendam é revolucionário. Paulo Freire que o diga.
    A segunda reflexão é sobre a avaliação como processo intrínseco de aprendizagem. A matemática e a língua estrangeira nos ajudam a compreender: a criança vai dando passos consecutivos - não aprende multiplicar se não tiver aprendido a somar, não aprende potenciação sem saber multiplicação; não aprende "He does not love" se não tiver aprendido I love-he loves-I do-he does. Assim, a atividade pedagógica precisa envolver todos os estudantes da turma numa ação-reflexão que garanta aprendizagens consecutivas às quais o professor precisa ficar atento (e não deixar para verificar na aula seguinte ou na prova bimestral...).
    A terceira reflexão é o que eu tenho pregado pelo Brasil afora e Brasil adentro. O professor, ao assumir duplos ou triplos turnos de trabalho, fica impedido de ser realmente professor, que não só ensina, mas garante a aprendizagem, pela aplicação diária de avaliações - principalmente com produções de texto pelos estudantes, com a tradicionalíssima e importantíssima "escrita", que precisa ser também diariamente corrigida, para assegurar o desenvolvimento da aprendizagem do aluno ou, como se diz hoje, a "construção do conhecimento". É por isso que atribuo ao "direito do acúmulo de cargo" a desqualificação da educação escolar no Brasil.
    Em vez de ranquear avaliações, o INEP devia ranquear salários e condições de trabalho, para que os governos e os patrões se sentissem envergonhados e não nossos alunos, vítimas desses desvios históricos. VIVA O PRIMEIRO DE MAIO, DIA DOS TRABALHADORES E DAS TRABALHADORAS !
    João Monlevade

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