sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Os meandros da MP 455

No dia 28 de janeiro o governo federal editou a Medida Provisória nº 455. O texto dispõe sobre os procedimentos de repasse de recursos da alimentação escolar para estados e municípios, trata do programa dinheiro direto na escola e altera dois artigos que dizem respeito ao programa nacional de transporte escolar.

Como já comentei no dia de ontem, estes programas possuem legislação vigente e estão funcionando, não caracterizando urgência nem relevância da edição de medida provisória.
Li atentamente os trinta e dois artigos da MP e tento resumir a seguir o seu teor:

1º. Estabelece as diretrizes para o fornecimento de alimentação escolar. Destaco a abrangência do programa para toda a educação básica (tendo por base o número de alunos matriculados e registrados no censo escolar), o reforço ao caráter pedagógico que deve ter o serviço e “com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos”. Este último aspecto representa uma saudável novidade.

2º. Afirma no seu artigo 3º que a alimentação escolar “é direito dos alunos da educação básica pública e dever do Estado”, o que representa um avanço, mas que infelizmente é desconstruído no restante do texto ao não se proibir a terceirização dos serviços.

3º. A redação do parágrafo 5º do seu artigo 5º estabelece um atendimento mais abrangente do que o previsto na legislação do Fundeb em relação à rede de escolas conveniadas. Assim, o texto permite o fornecimento de alimentação escolar para “creches, pré-escolas e escolas do ensino fundamental e médio conveniadas pelo poder público com entidades comunitárias e filantrópicas. A legislação do Fundeb não permite repasse de recursos para convênios no ensino fundamental nem tampouco no ensino médio. É um precedente bastante perigoso.

4º. Faculta aos estados e municípios descentralizarem o fornecimento da alimentação escolar para as unidades executoras de suas escolas.

5º. Permite que os estados municipalizem o fornecimento de alimentação escolar.

6º. A responsabilidade técnica pela alimentação escolar nos Estados, no Distrito Federal, nos Municípios e nas escolas federais caberá ao nutricionista responsável, que deverá respeitar as diretrizes previstas nesta Medida Provisória.

7º. Estabelece que no mínimo trinta por cento dos recursos repassados para alimentação escolar deve ser “utilizado na aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar e do empreendedor familiar, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”. É uma inovação importante, principalmente levando em conta que a política agrícola do governo privilegia o agronegócio e a grande propriedade rural. Porém, o texto estabelece algumas restrições que podem inviabilizar este procedimento. São as seguintes as situações que liberam o município desta obrigação: I-impossibilidade de emissão do documento fiscal correspondente; II-inviabilidade de fornecimento regular e constante dos gêneros alimentícios; III- dificuldades logísticas que inviabilizem o fornecimento de gêneros alimentícios; e IV-condições higiênico-sanitárias inadequadas. Os itens II e III são por demais abertos, permitindo interpretações que favoreçam os lobbies poderosos de fornecedores de alimentos.

8º. Ao contrário do movimento que foi feito durante a tramitação da regulamentação do Fundeb para concentrar as atribuições de controle e fiscalização dos programas educacionais no Conselho Municipal de Educação, a MP 455 mantém a dispersão e reafirma a existência de Conselhos de Alimentação Escolar. É bom lembrar que a lei nº 11.494/07 deixa nas mãos de cada estado ou município a decisão de reforçar o CME ou de manter a fiscalização em um Conselho de Acompanhamento do Fundeb. A MP nem esse dispositivo incorporou. A presidência e a vice-presidência do CAE somente não poderão ser exercidas pelos representantes governamentais. Aqui a MP assimila o avanço conseguido na legislação do Fundeb.

9º. São listadas dez atribuições dos estados e municípios, sendo a primeira “garantir que a oferta da alimentação escolar se dê em conformidade com as necessidades nutricionais dos alunos”. Porém, não existe nenhum instrumento limitador para que estes entes federados não terceirizem de maneira irresponsável o fornecimento da alimentação escolar. Tal processo que tem aumentado o gasto de recursos públicos e facilitado fraudes como presenciamos recentemente em São Paulo é contraditório com o cumprimento de outras obrigações, inclusive as que dizem respeito a “promover a educação alimentar e nutricional, sanitária e ambiental nas escolas sob sua responsabilidade administrativa, com o intuito de formar hábitos alimentares saudáveis aos alunos atendidos” e “realizar, em parceria com o FNDE, a capacitação dos recursos humanos envolvidos na execução do PNAE e no controle social”.

10º. Tentando enfrentar uma rotina de descontinuidades de fornecimento, que ocorrem sempre na troca de prefeitos, a MP autoriza no seu art. 21 que o FNDE realize, “em conta específica, o repasse dos recursos equivalentes, pelo prazo de cento e oitenta dias, diretamente às unidades executoras, conforme previsto no art. 6o desta Medida Provisória, correspondentes às escolas atingidas, para fornecimento da alimentação escolar, dispensando-se o procedimento licitatório para aquisição emergencial dos gêneros alimentícios, mantidas as demais regras estabelecidas para execução do PNAE, inclusive quanto à prestação de contas”. A forma como foi redigido torna a exceção em regra, ou seja, só é justificável repassar para as escolas quando um gestor não possui tempo para consertar uma situação que não possuía controle, o que acontece na troca de prefeitos de quatro em quatro anos. Durante a vigência do mandato de um prefeito este instrumento poderá ser perfeitamente utilizado para burlar a obrigatoriedade de realizar licitação, basta atrasar a prestação de contas, ser penalizado e controlar via as escolas o processo de escolha dos fornecedores durante longos seis meses.

11º. A Medida Provisória exclui um importante texto que consta do Projeto de Lei nº 11.659/07 (também de autoria do Executivo). No texto original diz que a “aquisição, o preparo e a distribuição da alimentação escolar deverão ser realizados por ente público”. Isto sumiu do texto da MP, favorecendo diretamente o lobby das empresas terceirizadas.

Além do que descrevi acima a MP trata também do PDDE e PNATE, mas isso é assunto para outra postagem.

Um comentário:

  1. Olá senhor Luiz, acho que o senhor precisa conhecer a Resolução FNDE 32.06.
    A maior parte das ações da MP, já sao praticada há anos.
    Abraços
    Suzana

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