quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Para entender os acontecimentos chilenos


Nas últimas semanas os brasileiros acompanham seguidas manifestações de estudantes no Chile. Da mesma forma assistem uma feroz repressão do governo daquele país. Porém, a cobertura da mídia não esclarece os reais motivos dos protestos.

Tentarei ajudar neste esclarecimento neste espaço virtual. Não só por que a mídia não é neutra e propositalmente não elucida as motivações, mas principalmente por que o modelo educacional chileno é utilizado pelos neoliberais brasileiros como símbolo de sucesso educacional, o qual deveria ser seguido.

Em que se baseia o “sucesso” chileno que entrou em crise com as manifestações dos estudantes? A educação chilena, pelo menos da ditadura Pinochet em diante, baseia-se em três características fundamentais: a) descentralização da gestão; b) subvenção pública à demanda e c) “financiamento compartido” (Zibas, 2008).

Traduzindo cada um desses aspectos:

1. O governo federal subsidia escolas particulares e municipais de acordo com a matrícula escolar;

2. A rede privada subvencionada pelo Estado chileno representava 43% das matrículas em 2005 do ensino fundamental e médio;

3. No governo de Michelle Bachelet foi permitido que os estabelecimentos particulares co9brassem mensalidades de alunos do ensino fundamental e médio. As municipais podem cobrar dos alunos do ensino médio;

4. Como as escolas municipais atendem os mais pobres, esta cobrança, que viabilizaria a escola, não acontece e deixa estas escolas em situação precária;

5. Há um sistema de crédito (tipo FIES) para os alunos, que é administrada pelo setor bancário e gerou algo parecido com a bolha imobiliária, ou seja, muitos tomadores de dinheiro, mas sem condições de honrar as dívidas. É por isso que nas manifestações há testemunhos de universitários que cursaram cinco anos e vão passar vinte anos para pagar o empréstimo;

6. Escolas particulares subvencionadas fazem seleção de alunos, utilizando critérios que as torne rentáveis, ou seja, aprofundando a desigualdade de oferta educacional entre ricos e pobres;

7. Os recursos públicos vão para escolas particulares e municipais independente da renda dos seus alunos, mas as escolas particulares conseguem complementar seus recursos com a cobrança de mensalidade;
8. Relatório da OCDE de 2004 (organismo não alinhado a nenhuma organização de esquerda!) resumiu bem o funcionamento da educação chilena:

“(...) a educação chilena parece estar conscientemente estruturada por classes sociais (...) está influenciada por uma ideologia que dá importância indevida aos mecanismos de mercado para melhorar o ensino e a aprendizagem” (OCDE, 2004, p. 290, tradução de Zibas, 2008).

O modelo educacional chileno foi um laboratório para várias práticas neoliberais, muitas das quais se implantaram no Brasil. Destaco a avaliação educacional por meio de testes em larga escala e o empréstimo estudantil. Algumas não se firmaram no Brasil, mas continuam sendo defendidas, especialmente a essencial do modelo que é voucher educacional e a idéia de repassar a contratação dos professores para cada escola.

Em 2006 os estudantes chilenos deram o primeiro sinal de que o sistema estava falindo. A resposta do governo de Bachelet (Bloco Concertácion) foi um acordo com os conservadores da Alianza, que representou a continuidade da política educacional de Pinochet, ou seja, não alterou a essência do modelo. Aquela primeira marcha ganhou o nome de Revolta dos Pinguins, numa alusão aos uniformes tradicionais dos estudantes.

Hoje os estudantes voltam às ruas com muito mais força e com reivindicações mais claras. Eles querem resgatar a tradição de escola pública que Pinochet extinguiu e os governos social-democratas não tiveram coragem de mexer. A volta da direita ao governo, os efeitos da crise econômica mundial e o esgotamento da capacidade de pagamento das famílias foram o ambiente dos novos protestos.

Atualmente, mais de 100 mil estudantes encontram-se em situação de inadimplência, com uma dívida média de 2.700.000 milhões de pesos chilenos (mais de US$ 5.000). Em um país em que mais de um milhão de pessoas recebe por mês salários mínimos de US$ 377, é perfeitamente possível entender como os mais pobres ficam fora da universidade, enquanto que as classes médias ficam empobrecidas por décadas.

Concordo com Christian Palma, que em matéria traduzida pela Carta Maior resumiu a situação da seguinte forma:

“O eixo das reivindicações do movimento estudantil é justamente uma demanda estrutural que foi bloqueada por décadas, desde o governo militar, passando pelos governos da Concertação. Por isso, nos desfiles de cada marcha, encontram-se grandes bonecos que são réplicas dos últimos quatro presidentes desde que, em 1990, o Chile retornou à democracia, representando as reformas cosméticas feitas na educação, aprofundando a participação do setor privado em um bem social”.

O modelo chileno se esgotou, pelo menos está esgotada a paciência da população chilena com ele. Espero que uso do seu exemplo também se esgote no Brasil.

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