Aumenta a pressão social contra a aprovação do PL nº 6755/10, que foi aprovado pela Comissão de Educação do Senado e no momento tramita na Câmara dos Deputados.
Reproduzo a carta da Rede Nacional da Primeira Infância.
Excelentíssimas Senhoras Deputadas e Senhores Deputados,
A REDE NACIONAL PRIMEIRA INFÂNCIA, formada por 74 organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado, de organizações multilaterais e outras redes de organizações, vem solicitar a Vossas Excelências a rejeição do dispositivo constante do PL nº 6755/ 2010 (original PLS nº 414/2008) que pretende obrigar as crianças de cinco anos a ingressar no ensino fundamental. O Projeto se encontra na Comissão de Educação, em regime de prioridade. Diz o texto:
“Art. 6º. É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos 5 (cinco) anos de idade, no ensino fundamental.
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 5 (cinco) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante...
Art. 87............... § 3º ............................................................................
I - matricular todos os educandos a partir dos 5 (cinco) anos de idade no ensino fundamental”.
A proposta é um atentado contra a infância e um desserviço à educação básica brasileira. Além disso, muda o processo educacional de 3 milhões de crianças, implica qualificação de 100 mil professores e impõe novas exigências aos sistemas de ensino dos 5.563 municípios, que não foram ouvidos sobre essa matéria.
O argumento do Projeto repousa na intenção de estabelecer coerência entre o início do ensino fundamental e o término da educação infantil (“até cinco anos de idade”, segundo o texto constitucional, art. 208, IV). Interpreta que as Leis nº 11.114/ 2005 e 11.274/ 2006 estão incorretas ao estabelecer o início do ensino fundamental aos seis anos, como se houvesse um vácuo entre o ”até cinco” e “aos seis”. Ora, a faixa etária da educação infantil foi alterada pela Emenda Constitucional nº 53/ 2006 precisamente para adequá-la à modificação introduzida pelas leis acima citadas.
Consideremos, preliminarmente, o significado etário da expressão “até cinco anos”. Não nos parece válido interpretar “até cinco” como: “nenhum dia além da data de aniversário do quinto ano”. Se fosse correta essa interpretação, o adolescente com 17 anos e um dia já estaria fora da inimputabilidade penal e desnecessárias seriam as inúmeras e felizmente frustradas tentativas para baixar a idade penal... Diríamos, também, que um bebê de um dia de vida, com um mês, com dois meses... tem um ano de idade e deve ser cuidado como criança de um ano... Seria um desastre para sua sobrevivência, saúde e educação. Da mesma forma, ninguém diz, no dia seguinte ao aniversário de 50 anos, que tem 51... Ora, o argumento do PL 6755/ 2010 (PLS 414/2008) de que o ensino fundamental começa aos seis anos de idade e, portanto, de que a matrícula deve ocorrer a partir do dia imediatamente posterior à celebração do aniversário de cinco anos comete esse deslize de interpretação.
O que está em jogo, no entanto, não é um número – cinco ou seis – mas a infância, o direito de ser criança e tudo o que este direito implica, inclusive a aprendizagem de acordo com as características da idade. Começar o ensino fundamental aos cinco anos equivale a estar a criança impedida de ser criança, a perder a infância e ser proibida de brincar? Não apenas pelo fato de estar no 1º ano, mas por aquilo a que ela será submetida. Basta ler as frequentes reportagens sobre as conseqüências perversas de um atendimento inadequado: (a) estresse, por ver-se diante de exigências de aprendizagem, de testes de avaliação e ter que corresponder à expectativa da professora e dos pais, (b) problemas de saúde causados pela inadequação dos longos horários estáticos e das cadeiras escolares muito grandes para o tamanho da criança, (c) diminuição radical, quando não a supressão do tempo de brincar, substituição da ludicidade pelo ensino formal e impositivo, a que o próprio professor se vê condicionado, (d) aumento da reprovação e sua repercussão sobre a auto-estima e a expectativa da criança em relação à escola.
A antecipação do início do ensino fundamental para cinco anos será, forçosamente, um fracasso pedagógico, aumentando a reprovação e a exclusão escolar, além de uma violência contra a infância.
O que se pretende obter com essa antecipação?
Não o desenvolvimento sadio das crianças, porque lhes rouba um ano de infância e da experiência pedagógica da educação infantil. A pedagogia, a psicologia e a própria neurociência atestam que o tipo de vivência educacional que as crianças têm na educação infantil é fator determinante de um amplo desenvolvimento de sua personalidade e das estruturas cognitivas, sociais e afetivas que vão sustentar todo desenvolvimento posterior da pessoa. Processos formais precoces de ensino entram na linha do “treinamento” e da robotização.
Não o aumento da escolaridade, porque a maioria das crianças de cinco anos já está na pré-escola. Com a obrigatoriedade estabelecida pela EC 59/2009, brevemente o universo delas estará sendo atendido pela pré-escola. E de forma mais adequada, por ser esta desenhada segundo a pedagogia da primeira infância.
Não um benefício às famílias, porque seus filhos têm direito à educação infantil até a entrada no ensino fundamental, cujo início a lei fixa aos seis anos de idade. A Resolução 1/ 2010 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação determina que a criança tenha seis anos completos até 31 de março no ano de matrícula para o ensino fundamental.
Não o aprimoramento do ensino fundamental, que, em grande parte, ainda se encontra imerso no desafio de adaptar espaços, mobiliário e material didático para as crianças de seis anos de idade. Empurrar-lhe, por força de uma determinação legal, mais três milhões de crianças de cinco anos, é provocar deliberadamente o caos.
Além desses equívocos, o PL 6755/ 2010 não pode escamotear uma velada submissão aos interesses privatistas na educação, que visam ao aumento de lucro com o aumento da clientela de ensino fundamental.
Confiamos no elevado espírito democrático de Vossas Excelências em permitir o debate da matéria e convocar para discuti-la as organizações que reúnem os gestores da educação, técnicos e especialistas em temas de infância e aprendizagem,
uma vez que um dispositivo legal de tanta relevância pedagógica não pode ser decidido à revelia do conhecimento especializado.
Agradecemos a compreensão de Vossas Excelências e colocamo-nos à disposição para quaisquer outros esclarecimentos.
Brasília, 2 de maio de 2010
Rede Nacional Primeira Infância
OMEP/Secretaria Executiva
ORGANIZAÇÕES QUE COMPÕEM A REDE NACIONAL PRIMEIRA INFÂNCIA
ABEBÊ/Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê
Ágere/Cooperação em Advocacy
ALANA
Aliança pela Infância
ANUUFEI/Associação Nacional das Unidades Universitárias Federais de Educação Infantil
Associação Brasileira de Brinquedotecas
Associação Brasileira Terra dos Homens
Associação Centro Cultural Viva
Associação Comunitária Monte Azul
Associação Espírita Lar Transitório De Christie/AELTC
ATEAL/Associação Terapêutica de Estimulação Auditiva e Linguagem
Ato Cidadão
Avante Educação e Mobilização Social
Berço da Cidadania/Instituto de Capacitação e Intervenção Psicossocial pelos Direitos da Criança e Adolescente em Situação de Risco
Campanha Nacional Pelo Direito à Educação
CECIP/Centro de Criação de Imagem Popular
Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância - CIESPI
Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Coordenadoria da Mulher da Prefeitura de Canela
CPPL/Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem
Criança Segura
FASA/Comunidade Família e Saúde
Federação das Escolas Waldorf do Brasil/FEWB
FUNAI/Fundação Nacional do Índio
Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança e do Adolescente
Fundação Orsa
Fundação Xuxa Meneghel
IBGE/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDIS/Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
IFAN/Instituto da Infância
Instituto Beneficente Conceição Macedo/IBCM
Instituto C&A
Instituto EcoFuturo
Instituto Entreatos de Promoção Humana
Instituto para Vivências Humanas para um Mundo Melhor
Instituto Roerich da Paz e Cultura do Brasil
Instituto São Paulo Contra a Violência/ISPCV
Instituto Viva Infância
Instituto Zero a Seis/Instituto Primeira Infância e Cultura de Paz
IPA/Instituto Pelo Direito de Brincar
Lugar de Vida - Centro de Educação Terapêutica
Mãe Coruja Pernambucana
Materne – Assessoria e Consultoria para a Primeira Infância
MDS/Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MEC – Ministério da Educação/SEB/Coordenação Geral de Educação Infantil
MIEIB/Movimento Interfóruns de Educação infantil do Brasil
MS/Ministério da Saúde
OMEP/Organização Mundial para Educação Pré-Escolar- Brasil
OPAS/Organização Pan-Americana da Saúde/Brasil
Organização Social Crianças da Bahia
Pantákulo – Assessoria, Consultoria e Projetos Ltda
Pastoral da Criança
Plan International do Brasil
Portal Cultura Infância
Prodiabéticos
Programa Equilíbrio (SP)
PIM - Programa Primeira Infância Melhor/Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul
Projeto Anchieta
Promundo
Pulsar/Associação para a democratização da Comunicação
Rede ANDI Brasil
Rede de Educação Infantil Comunitária do Rio de Janeiro/São Gonçalo
Rede Marista de Solidariedade
Save the Children Reino Unido
Solidariedade Brasil França
UFF/Universidade Federal Fluminense (NUMPEC/Núcleo Multidisciplinar de Pesquisa, Extensão e Estudo da Criança de 0 a 6 anos)
UFRGS/Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRN/Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Núcleo de Educação Infantil
Uncme – União Nacional de Conselhos Municipais de Educação
Undime/União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO/Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF/Fundo das Nações Unidas para a Infância
Valor Cultural
Visão Mundial
Estão fazendo da educação a cada dia uma grande sucata, pura vergonha. Estão usando nossas crianças como produtos de puro consumo (e não é de hoje) tendo como objetivos óbvios o famigerado lucro. Quem se beneficia com isso são os maus políticos gestores sejam nas redes municipais e estaduais. Não podemos ser omissos e nos calar, divulgar é preciso. Esta PL nº 6755/ 2010 é grande insensatez!
ResponderExcluirAlcy Maihoni – Nova Iguaçu/RJ
uniaodanon.blogspot.com
Não entendo!!! Ingenuidade, talvez. Pergunto: qual a justificativa???
ResponderExcluirFico profundamente indignada com a forma que a educação neste imenso e diversificado Brasil é falada. Se quando se formulam estas leis o olhar é para o desenvolvimento cognitivo da pessoa que frequentará a escola, importante é perguntar de que região do Brasil estamos falando e da real necessidade.
Que a educação pública já está sucateada há muito tempo, não é novidade pra ninguém.
ResponderExcluirMas, ....
Não sei o porquê de tanta polêmica quanto ao projeto. Qual é o problema para a criança que será alfabetizada aos 05 anos? Esse papo de que criança tem que brincar "apenas" é discutível. Um dia tem 24 horas. Esse tempo tem que ser administrado entre o brincar, o dormir e,(por que não?), o estudar.
Tenho três filhos e todos foram alfabetizados entre os 04 e 05 anos em casa, por nosso intermédio, pois nenhuma instituição estava autorizada a alfabetiza-los, pois a lei não permitia.
O fato de serem alfabetizados muito cedo não trouxe-lhes nenhum dano ao desempenho cognitivo, afetivo e social. Continuam sendo crianças e adolescente alegres, amáveis, responsáveis e sociáveis.
Temos que exigir do poder público uma educação de qualidade para todos. Que os prédios escolares deixem de ser apenas depósitos de crianças, adolescentes e jovens. Devemos cobrar constantemente uma educação de qualidade, com responsabilidade.
Não adianta uma lei que obrigue o ingresso de crianças de 05 anos no ensino fundamental, uma vez que os adolescente de 15 anos estão concluindo esse mesmo ensino fundamental, semi-alfabetizados.
Prof. Everaldo Rocha - Sumaré/SP
http://profeveraldorocha.blogspot.com
A ampliação do período do ensino fundamental de 8 para 9 anos trás grandes problemas ao pensar na mudança brusca a qual essas crianças, cada vez mais novas, estão sendo submetidas. Enquanto na educação infantil as atividades são direcionadas para o lúdico, a imaginação, a fantasia, a criatividade e o brincar, o ensino fundamental se aproxima do silênciamento, da organização em carteiras, da obediência, dos excessivos deveres e das metas a cumprir.
ResponderExcluirNo texto “A passagem da educação infantil para o ensino fundamental: tensões contemporâneas” escrito pelas pesquisadoras Vanessa Neves, Maria Cristina Gouvêa e Maria Lúcia Castanheira, fica claro que o ritmo passa a ser bem diferente à medida que os alunos fazem a transição. Um dos elementos observados por elas na pesquisa, é o uso individual dos materiais no ensino fundamental, que antes era compartilhado pelas crianças e, logo, todos tinham acesso ao mesmo material. Com isso, se a criança não possui um determinado material, sua participação em uma determinada atividade pode estar comprometida.
Outro ponto observado pelas autoras é a variedade de artefatos culturais que se mostrou ausente nas turmas de ensino fundamental. Esses artefatos, muito presentes nas salas de educação infantil, trazem inúmeras possibilidades para as crianças, que ao terminarem uma atividade, podem buscar esses materiais e brinquedos para esperar os colegas. Enquanto isso, crianças do ensino fundamental, ao terminarem suas atividades, devem permanecer sentadas, à espera dos outros colegas.
Nessa lógica, o ensino fundamental passa a ser mais individualizado, perdendo o caráter de grupo, tão desenvolvido na educação infantil. E, a entrada de crianças cada vez mais novas nas séries do fundamental, expõe às mesmas ao fracasso escolar, visto que, o processo de ruptura é brutal e trás conseqüências de um atendimento inadequado, como o sugerido pelo post, de estresse, diminuição do brincar, problemas de saúde causados pelo longo tempo sentados à carteira, aumento de reprovações e, outros como, maiores diagnósticos de dificuldades de aprendizagem, causados muitas das vezes por esse adiantamento e não por uma dificuldade em si, cansaço excessivo e sobrecarga de atividades.
Dessa forma, é preciso também repensar essa mudança brusca da educação infantil para o ensino fundamental e o papel da escola, visto que, ela ainda hoje é utilizada para controlar os corpos e naturalizar a sociedade dividida em classes, engessando os sujeitos em um padrão único.