Falo sempre de números no meu blog. Hoje quero falar das pessoas.
Outro dia, no final de um dia trabalho, viajava no metrô de Brasília e vi uma família adentrar no vagão. Era um casal e dois filhos pequenos, sendo um recém-nascido. A mãe viajou dando de mamar ao pequeno e o pai sentou-se no chão, tendo a filha pequena no seu colo. Eram pobres, negros e deveriam estar indo pra casa, provavelmente numa das longínquas cidades do entorno da capital federal.
O que me chamou a atenção foi o olhar do marido. Ele era jovem e forte, mas olhava pra todos de forma muito desconfiada. Um olhar que vê no mundo uma ameaça prestes a atacar.
Fiquei com aquele olhar na mente e procurei nos meus números a explicação. E encontrei motivos de folga pra que ele olhasse o mundo (e as pessoas ao seu redor) de maneira tão desconfiada.
A vida de uma família pobre é dura. Recentemente a ministra de Desenvolvimento e Combate à Fome, Tereza Campello, admitiu que o Brasil tivesse 16,27 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, número que representa 8,5% da população. De acordo com o IBGE, do contingente de brasileiros que vivem em condições de extrema pobreza, 4,8 milhões tem renda nominal mensal domiciliar igual a zero, e 11,43 milhões tem renda de R$ 1 a R$ 70.
Nesta situação não se pode esperar um olhar generoso para o mundo em sua volta, especialmente com dois filhos pequenos para criar.
Seus filhos dificilmente terão acesso a uma vaga em uma creche pública em nosso país. O Brasil só consegue inserir 18,4% das crianças de zero a três anos na escola. E esta inclusão é desigual em termos regionais, sociais e raciais. Entre os filhos dos mais pobres somente 11,8% conseguem uma vaga em creche. Infelizmente a cidade de Brasília e seu entorno não fogem desta regra. Em 2010 havia apenas 1586 crianças em creche pública no Distrito Federal.
Talvez um motivo pro olhar desconfiado seja uma dificuldade de entender os códigos do mundo moderno, cada vez mais necessários para sobreviver. Segundo dados da PNAD 2009 o número de negros analfabetos era de 13,4% (contra 5,9% de brancos na mesma situação). E 18,1% dos mais pobres maiores que quinze anos não sabiam ler nem escrever.
Poderia falar das oportunidades de emprego, dos salários diferenciados, do atendimento médico precário, da falta de saneamento, da precária moradia e muito mais.
Fiquei feliz de ter visto aquele olhar desconfiado. Ele me fez lembrar que não posso me conformar com o conforto que minha renda proporciona a minha família. E que a injustiça é bem mais do que um dado em uma planilha de Excel.
Um comentário:
Ótimo texto, Luiz. Se o Brasil tivesse jornalistas com olhar parecido com o seu nossa imprensa seria mil vezes melhor. Abração,
Luciano Máximo
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