quinta-feira, 27 de junho de 2013

O PNE, as ruas e a lista do Anonymous


Um dos vídeos mais acessados nas redes sociais foi, sem sombra de dúvida, as cinco causas propostas pelo grupo Anonymous. A segunda causa é a proposta de retirada do presidente do Senado, senhor Renan Calheiros. Vale recordar que quando de sua eleição mais de um milhão de pessoas assinaram petição virtual fazendo o mesmo pedido.

O que isto tem a ver com a votação do PNE? Tudo. Os governos e os parlamentares saíram da letargia inicial diante dos protestos e estão empenhados a ceder os anéis para não ceder os dedos, como diz o dito popular. No Senado, a postura de Renan Calheiros é de quase liderança estudantil. Ele se apressa a apoiar todas as reivindicações (até o passe livre!) e se propõe a acelerar importantes votações.

Bem, da lista de cinco causas uma foi resolvida (arquivamento da PEC-37) e justamente a renúncia de Renan é o próximo da lista. Com um instinto de sobrevivência apurado, este senhor sabe que quanto mais boas ações ele fizer, ele pode conseguir empurrar o seu caso pro final da lista e, quem sabe, a demanda cair no esquecimento.

Com isso, existe enorme possibilidade de que a votação do Plano Nacional de Educação seja acelerada. Ontem, no plenário do Senado, o acordo era tramitar na semana que vem na CCJ e em seguida na Comissão de Educação. E depois seguir rápido pro plenário.

Esta repentina pressa é fruto da necessidade de responder ao clamor das ruas, mas o formato da resposta que Dilma e o Congresso pretendem dar não é exatamente uma leitura apurada dos anseios da população, mas alguma resposta sobre os itens mais candentes, os quais serão mediados pelos interesses de quem está no poder.

Exemplo disso foi a votação sobre os royalties para a educação. A ideia do governo era simplesmente aprovar a sua proposta original, da qual já várias vezes expliquei sobre sua insuficiência aqui neste espaço. O que foi aprovado na Câmara não foi bem o que o governo queria, por que o clamor das ruas motiva parlamentares mais à esquerda a ter mais desenvoltura e não ficar subordinados aos ditames do Planalto, também estes preocupados com o dia seguinte eleitoral nos seus estados.

Assim, quais os benefícios e quais os riscos desta movimentação?

1.      Há um risco do governo empurrar goela a baixo uma votação rápida e baseada no péssimo relatório do senador Pimentel, que foi aprovado na CAE. Este relatório representa o desejo de limitar a participação da união a patamares aceitáveis para que a mesma cumpra seu principal pacto que é com a “responsabilidade fiscal”, eufemismo que significa continuar gastando nosso suado dinheiro no pagamento da dívida pública. Agilizando a votação o governo evita o crescimento da pressão da sociedade civil sobre os senadores, agora vitaminada pelas mobilizações;

2.      Há um benefício da pressa, pois sabendo que o relatório Pimentel pode ser usado para mobilizar o povo que está nas ruas, o governo e agora combativo Renan podem optar pela aprovação do texto da Câmara, o que viabilizaria uma sanção imediata da presidenta, o que representaria uma resposta concreta para a reivindicação de melhoria educacional. Apesar dos seus limites, isso significaria aprovar 10% do PIB pra educação pública.

Bem, o projeto da Câmara tem muita coisa pra ser melhorado, principalmente no que diz respeito a materialização do papel dos entes federados em cada uma das metas, especialmente das relativas ao acesso. Mas é um relatório que o governo torce o nariz pra ele. Uma aprovação rápida e no clima atual intimidaria Dilma a vetar os pontos discordantes, conduta que poderia retroalimentar seu desgaste no segmento social que se mobiliza.

Minha sugestão: aproveitar o clima de recuo do governo e de sua maioria para garantir que não sejam retiradas conquistas obtidas na Câmara, jogando na lata do lixo o relatório Pimentel e negociando emendas prioritárias.

Contudo, deixo bem clara uma posição: não é coerente com a nova correlação de forças que as entidades, por qualquer motivo que seja, aceitem renegociar os termos da Meta 20, 11 e 12. São nestas três metas que estão os aspectos mais relevantes do texto e que mais o governo será obrigado a ceder. Aceitar negociações de bastidores alargarão ainda mais o fosso que se criou de representatividade entre as tradicionais entidades e os novos manifestantes.

 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Padrão Fifa e a educação


Existe um cartaz recorrente nas manifestações que inundam nossas ruas e praças. Ele se expressa em duas variações: saúde padrão FIFA e educação padrão FIFA.

É interessante a ironia e, ao mesmo tempo, a sabedoria desta reivindicação popular.

Vou falar um pouco sobre a educação, área que conheço um pouco mais. A Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases delegaram aos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) a tarefa de, em regime de colaboração, oferecerem educação a todos os brasileiros de forma que não exista diferenciação entre classe social, raça ou região de moradia.

O termo técnico utilizado foi “padrão mínimo de qualidade”. Um padrão é uma construção histórica. Certamente ele vai se tornando mais exigente na medida em que o país se desenvolve e as condições de vida vão evoluindo. A exigência de uma escola pública na periferia de São Paulo no meio do século passado é muito distinta da expectativa dos que moram nas periferias nesta segunda década do século XXI.

Em um esforço de formulação memorável, um conjunto de entidades da sociedade civil brasileira construiu uma proposta de materialização do padrão mínimo de qualidade. Este instrumental foi denominado de Custo Aluno-Qualidade, tendo uma variação emergencial chamada de Inicial (CAQi). Este CAQ levou em consideração um dado quantitativo de insumos mínimos necessários para que as escolas prestem um serviço de qualidade.

A ironia com o “padrão FIFA” é uma forma que o povo encontrou para comparar os gastos e o padrão construtivo exigido por esta entidade privada do futebol internacional em relação aos estádios de futebol, todos construídos em padrões comparáveis aos estádios europeus, por exemplo. Ou seja, nossos estádios se tornaram se primeiro mundo, mas a educação continuou no padrão de terceiro mundo.

A forma de tornar concreta a reivindicação dos cartazes é garantir que permaneça no texto do Plano Nacional de Educação a redação das estratégias 20.6 e 20.10, aprovadas na Câmara e esvaziada pelo relatório Pimentel aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Seu teor é o seguinte:

20.6) No prazo de dois anos da vigência deste PNE, será implantado o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo financiamento será calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo de ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a implementação plena do CAQ.

20.10) Caberá à União, na forma da Lei, a complementação de recursos financeiros a todos os estados, ao Distrito Federal e aos municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormente, do CAQ.

Os royalties para a educação e a voz das ruas


Depois de uma semana de paralisia, os governos e os parlamentares começaram a se movimentando. Não necessariamente isso significa que os mesmos estão compreendendo os desejos de milhões de brasileiros que foram às ruas, provavelmente continuam distantes dos reais anseios do povo brasileiro, mas precisam dar alguma resposta, aprovar algumas bondades e torcer para as pessoas voltarem para casa.

Havia afirmado dias atrás que a tramitação do Plano Nacional de Educação não seria a mesma e as bandeiras progressistas educacionais seriam beneficiadas pelos novos ares políticos que o país vivia.

Dentre os cinco “pactos” propostos pela Dilma está a educação. Ela não falou do PNE e muito menos de recuar sobre a vontade governamental de incluir nos investimentos educacionais o montante destinado a iniciativa privada, mas colocou como prioridade a votação da destinação dos royalties para a educação.

Já comentei anteriormente o quanto considero limitada a proposta governamental e que a mesma, em termos financeiros, não é suficiente para viabilizar o salto de 5,3% para 10% do PIB. É bastante paliativa, mesmo que “vendida” como a salvação da lavoura educacional.

Ontem a Câmara dos Deputados iniciou a votação do pacote de bondades. Depois de rejeitar por quase unanimidade a PEC-37 (que seria aprovada sem que o povo tivesse voltado às ruas!) foi aprovado o substitutivo do deputado André Figueiredo (PDT/CE) ao PL 5500/2013. A votação poderia ter sido mais coerente, poderia ter seguido o espírito da Emenda 82 apresentada no Senado pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), mas o texto da Câmara saiu diferente do que o proposto originalmente.

O que ficou decidido na Câmara:

1.       Dos royalties de contratos posteriores a 03.12.2012 o equivalente a 75% será destinada à educação e 25% à saúde;

2.       Dos recursos do pré-sal depositados no Fundo social, 50% do montante (e não mais dos dividendos) serão direcionados à educação.

Foi um recuo e um avanço.

Em relação aos royalties, o governo conseguiu impedir a mudança mais importante que era suprimir esta restrição de data de contrato. No formato atual, mesmo considerando importante destinar mais recursos para a saúde, não teremos recursos novos tão cedo, pois os “novos contratos” nem foram ainda assinados e as áreas nem começaram a produzir. E quando produzirem ao invés de 100% serão 75%.

Em relação aos recursos do pré-sal houve uma mudança importante. Todo esforço do governo era para restringir a destinação de recursos apenas dos dividendos (oriundos da aplicação dos recursos no mercado financeiro) e a Câmara acatou a proposta de ser sobre o principal. Isso foi um avanço possível devido ao clima de medo dos grandes partidos com a continuidade dos protestos.

Caso a demanda de 10% do PIB para a educação pública continue ganhando força, como tenho sentido nos últimos dias, o destino do PNE poderá ser muito mais promissor.

A educação, caso isso aconteça, terá se beneficiado pelo despertar da juventude e terá entrado na pauta política pela vontade das ruas.

  

terça-feira, 25 de junho de 2013

Pacto pela educação é o PNE

A Campanha Nacional pelo direito à educação publicou nota pública analisando um dos aspectos do posicionamento da Presidenta Dilma. A nota se posiciona sobre o quinto pacto proposto, que trata da educação.
Abaixo socializo o inteiro teor da referida carta.

O Pacto pela Educação Pública deve ser o PNE
que pode ser viabilizado pelo dinheiro do petróleo.

Cidadãos e Cidadãs,

Caros e Caras parlamentares do Congresso Nacional,

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede composta por mais de 200 organizações mobilizadas e atuantes em todo o Brasil, compreende a educação pública de qualidade como um dos principais anseios do povo brasileiro, tal como foi visto nas manifestações que se espalharam por todo país.

A presidenta Dilma Rousseff, no pronunciamento da última sexta-feira (21/6) e na apresentação dos “cinco pactos em favor do Brasil”, na tarde de ontem (24/6), relembrou a importância de o país investir “100% dos royalties do petróleo e 50% dos recursos do pré-sal” em políticas públicas educacionais, sendo esse o conteúdo central do chamado Pacto pela Educação Pública.

O momento é oportuno. O Projeto de Lei 323/2007 e seus catorze projetos apensados, inclusive o PL 5.500/2013, de iniciativa do Poder Executivo, tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. Hoje, 25/6, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação se manifestará em audiência pública na Comissão Especial dedicada a analisar os PLs supracitados e vincular a riqueza do petróleo à educação. O país não pode perder essa oportunidade. Assim como deve se dedicar à busca por fontes que viabilizem todos os direitos sociais.

O consenso de que é necessário investir mais recursos em políticas públicas educacionais é mérito do setor progressista do movimento educacional. Por meio de argumentos técnicos e articulação política, foi a sociedade civil quem pressionou e, em interlocução com parlamentares de todos os partidos, conquistou a aprovação de um patamar de investimento equivalente a 10% do PIB em educação pública, como meta do próximo PNE (Plano Nacional de Educação).

Em 2011, o Brasil investiu um montante equivalente a 5,3% do PIB em políticas públicas educacionais. Significa dizer que, até o final da vigência do próximo PNE, será necessário adicionar um volume de 4,7% do PIB na educação pública.

Para atingir esse percentual, segundo projeções do Prof. Gil Vicente Reis de Figueiredo (Ufscar), no artigo intitulado “Todos os recursos do Fundo Social para a educação até 2020”, será preciso ir muito além do texto original do PL 5500/2013, encaminhado pela Presidenta Dilma Rousseff. Pois é insuficiente vincular todas as receitas com royalties dos contratos firmados após dezembro de 2012 na área de concessão e metade dos resultados do Fundo Social do Pré-Sal. Portanto, para cumprir com a correta meta de investimento equivalente a 10% do PIB em educação pública, a área necessita de toda a receita arrecadada com o petróleo oriunda de contratos exploratórios atuais e futuros na área de concessão, além da totalidade do Fundo Social do Pré-sal. E outras fontes de recursos podem ainda ser necessárias.

Considerando que o texto do novo PNE ainda tramita no Senado Federal, é preciso que o Poder Legislativo, concomitantemente e em esforço conjunto das duas Casas, analise e vote as duas matérias, sempre à luz das deliberações da Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2010.

Ainda sobre o PNE, na apreciação do texto na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal, conquistas importantes foram extraídas. Metas de expansão pública tanto na educação superior quanto no ensino técnico foram excluídas. O investimento na educação básica pública não está mais vinculado à implementação do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), único mecanismo de financiamento capaz de mensurar o custo de um padrão mínimo de qualidade, garantindo boa gestão, infraestrutura adequada e valorização dos profissionais da educação. Como resultado dessas mudanças, o dinheiro público não está mais vinculado à educação pública. E, por fim, foi feita uma opção equivocada por alfabetizar aligeiradamente as crianças aos 6 anos, ao invés de alfabetizar de forma plena todas elas aos 8 anos de idade ou ao terceiro ano do ensino fundamental.

Portanto, as alterações nas metas 5, 11, 12 e 20 no texto do novo PNE aprovado pela CAE precisam ser revistas nas comissões de Constituição e Justiça e Educação do Senado Federal, preferencialmente retomando-se a redação aprovada na Câmara dos Deputados.

Essas medidas são importantes para o Brasil construir uma nova história educacional. Isso exige um “PNE pra Valer!”, capaz de democratizar a educação pública de qualidade e não apenas expandir vagas, como tem sido comum em toda nossa história.

A presidenta Dilma Rousseff está certa ao dizer que o Brasil precisa investir mais recursos em políticas públicas educacionais. Mas isso não basta. Os recursos novos precisam ser aplicados em um Plano de Estado capaz de fazer com que a União, os 26 Estados, o Distrito Federal e os 5565 Municípios caminhem para um mesmo destino, unindo esforços rumo à universalização do direito à educação pública de qualidade para todos e todas. Ou seja, é preciso afirmar e reiterar: embora ainda esteja ausente no discurso presidencial, o PNE é o verdadeiro Pacto pela Educação Pública. E isso precisa ser assumido por todos os governos e, especialmente, por toda a sociedade brasileira.

O povo brasileiro deve exigir um “PNE pra Valer!”, que garanta educação pública de qualidade desde a creche até a educação superior. Para isso, é necessário que o Congresso Nacional aprove a vinculação de todas as receitas do petróleo com a educação pública, com um esforço para viabilizar o PNE. E sempre é bom reafirmar: o cumprimento das metas do novo plano exige 10% do PIB para educação pública e a implementação célere do CAQi. O momento atual exige grandeza, respeito democrático e espírito público dos governantes e da sociedade. Defender a educação pública é superar o passado, viabilizar o presente e semear o futuro do país.

Assina: Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação:

Ação Educativa

ActionAid Brasil

CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire)

Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)

CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)

Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

Uncme (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)

Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).

 

Os brioches da Dilma


A presidenta Dilma, rodeada de governadores, anunciou a resposta do poder público as demandas expressas pelo povo nas ruas do país. Foi proposto cinco pactos: responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte e educação.

Ao ler atentamente o conteúdo do que foi apresentado fico com a firma certeza de que o Palácio do Planalto ou não conseguiu entender a mensagem das ruas ou considera que o movimento vai perder substância e o tamanho das concessões não precisam mexer nos pilares que sustentam o modo de fazer política em nosso país.

Desde o governo FHC até os dias de hoje o que tem prevalecido é o denominado pacto pela responsabilidade fiscal. Em nome deste pacto todos os anos é drenado quase metade do orçamento federal para pagamento dos juros e encargos da dívida pública. Em nome deste pacto governos estaduais e municipais mantém o salário dos professores abaixo do piso nacional estabelecido em lei. E se tornou recorrente a precarização e terceirização dos serviços públicos de saúde e educação. Reafirmar esta política não é uma resposta às vozes das ruas, mas sim um aceno às inquietas vozes dos credores, do mercado financeiro e das potências econômicas, todos eles muito preocupados com a explosão social ocorrida nos últimos dias.

Um dos elementos mais visíveis nas manifestações é um cansaço com a política como ela é. Este elemento aparece na rejeição aos partidos (especialmente aqueles que representam o poder instalado no país, ou seja, os partidos que representam a ordem) e em uma grande desconfiança com a seriedade das instituições. A aliança que sustenta o governo incorporou na estrutura de poder notórios corruptos e manteve a política de balcão de negócios na relação entre o parlamento e o executivo. Remeter para uma constituinte convocada nas mesmas regras atuais é não mexer em nada até as eleições, empurrar com a barriga a crise e provavelmente garantir uma maioria baseada no poder econômico os mesmos que envergonham seus eleitores nos dias de hoje.

Em planejamento estratégico, diante de uma grande dificuldade, os manuais ensinam a realizar uma operação K, que não resolve o problema, mas desvia a atenção e força e promove outra discussão. A proposta de constituinte exclusiva é isso, nada mais do que isso. não é uma guinada chavista ou coisa do tipo, nem mexe no arco político montado em torno do governo.

Para não me alongar, comento apenas o quinto pacto, que trata da educação. Qual a novidade concreta apresentada? Nenhuma, apenas a repetição do apelo para que o Congresso aprove a proposta tímida sobre os royalties, mas que seguidas vezes é vendida como a salvação do financiamento da educação. Nenhuma palavra sobre o Plano Nacional de Educação ou sobre a necessidade de maiores aportes concretos para melhorar a qualidade e o acesso à educação. Nenhuma autocrítica pelo fato do MEC ter patrocinado dias antes do levante popular a redução dos recursos previstos no Projeto de PNE aprovado na Câmara.

Ao ouvir o pronunciamento da presidenta Dilma não tenho como evitar a lembrança da postura de Maria Antonieta. É uma característica recorrente em autoridades quer acham que estão no caminho certo e quando o povo as questiona, só podem concluir que o povo é que deve estar errado (ou induzido ao erro por forças subterrâneas).

Certamente estes cinco brioches oferecidos ao povo que clama por pão não conseguirão aquietar a insatisfação popular.

 

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Dilma, brioches não!


Dizem que às vésperas do povo derrubar os reis franceses, Maria Antonieta perguntou aos seus ministros mais próximos qual era a reivindicação do povo que cercava seu palácio. Prontamente os ministros informaram que o povo queria pão. A rainha então teria dito: se o povo não tem pão, que coma brioches.

Pode ser que mude, mas a minha impressão do pronunciamento de sexta-feira passada da presidenta Dilma foi de que ela acha suficiente a oferta de alguns brioches ao povo para diminuir (e quem sabe acabar) a intensidade dos protestos. Mesmo afirmando que seu governo está atento a “voz direta das ruas”, mas parece que há um problema de tradução da mensagem que as ruas estão enviando.

Digo isso por que as manifestações, mesmo que apresentando uma profusão de reivindicações, mandam mensagens claras de insatisfação profunda. Essencialmente os nossos jovens dizem que aqueles que foram eleitos para resolver os seus problemas não estão cumprindo o prometido. E pior, estão usando os seus cargos para o enriquecimento pessoal ou de pequenos grupos econômicos. A corrupção aparece como uma face de uma moeda que na outra face tem a precariedade dos serviços públicos essenciais.

E o que Dilma ofereceu como resposta?

Manifestou-se favorável a realização de uma reforma política, mas não apresentou nenhum gesto concreto sobre isso. Talvez por que seu governo, por necessidade de sobrevivência, é sustentado no congresso pelos principais expoentes da política questionada pelas ruas. Não é possível um pacto anticorrupção mantendo os corruptos no governo!

Vai chamar os governadores e prefeitos para finalmente realizarem um plano nacional de mobilidade urbana. Diz o ditado que quando não queremos resolver um problema devemos formar uma comissão. A presidenta Dilma está no governo desde 1º de janeiro de 2011, mas já ajudava Lula a governar. O povo esperava medidas concretas para as principais áreas e não a convocação de mais um pacto, que mais parece um abraço dos afogados, todos querendo se livrar do desgaste que a repulsa aos políticos está provocando.

Um dos principais elementos causadores do caos urbano e das carências da saúde e educação é a opção preferencial pelos ricos do governo federal. O pão, reivindicado pelo povo nas ruas, está totalmente comprometido com os acordos econômicos com os credores da dívida pública. Para o povo só é possível oferecer alguns brioches, por meio de políticas compensatórias e tímido crescimento do volume de serviços públicos. Sem alterar substancialmente as prioridades é impossível atender aos apelos populares.

Um dos exemplos desta política do “brioche” é a questão dos royalties. O Projeto de Lei 5500/2013, que foi apresentado pelo governo federal estabelece 100% dos royalties para a educação dos futuros royalties a serem recebidos por contratos que serão assinados em agosto e de uma produção que nem começou. E sobre o pré-sal o governo propõe destinar apenas 50% dos DIVIDENDOS das aplicações do Fundo Social no mercado financeiro internacional. Não é um formato que incida diretamente e imediatamente na situação de penúria da educação.

Os governos acreditam que o povo, mais uma vez, ficará contente com o aumento da quantidade de brioches.

Será? Na França, o que sempre dava certo, chegou em dado momento tal política perdeu a eficácia.

Bandeiras são essenciais


Neste domingo decidi assistir novamente o filme musical Os Miseráveis. A trama se passa na França pós Revolução Francesa, processo que criou as bases para o que chamamos de democracia moderna. Entre idas e vindas uma coisa é constante como pano de fundo: a vida dos mais pobres continuava tão miserável como antes.

A decisão de assistir novamente o referido filme certamente foi motivada pela onda de protestos que ocuparam as principais ruas brasileiras. E é inevitável que se procure algumas semelhança entre o filme e a realidade.

A primeira semelhança é que não basta conseguir democracia formal para tirar as pessoas da situação de penúria. A revolução francesa criou as bases políticas e institucionais para que o capitalismo florescesse, mas a essência deste novo modo de produzir não trouxe felicidade aos deserdados franceses. Formalmente iguais perante a lei, os franceses pobres eram menos cidadãos que as novas classes emergentes. O Brasil não é a França Revolucionária e a democracia reconquistada no início dos anos 80 já encontrou o capitalismo brasileiro maduro, mas aqui também este processo criou expectativas que não foram correspondidas.

A segunda semelhança é a participação dos jovens. No caso do filme (pouco profundo como tudo que vem do cinema americano) há um retrato da revolta dos jovens burgueses, frustrados com os frutos da revolução, que formam barricadas e esperam a adesão do povo pobre. Aqui no Brasil também foram os setores de classe média que foram às ruas, pelo menos majoritariamente e trabalhando este conceito de forma bem abrangente (segundo o Ibope quase metade dos participantes possuem renda acima de 5 salários mínimos). Suas reivindicações sociais, caso atendidas, serão usufruídas de maneira mais contundente por outras estratos sociais, especialmente os pobres (saúde e educação no padrão Fifa, por exemplo).

Mas encontrei uma diferença muito importante e preocupante. Para os jovens franceses retratados em seu idealismo pelo musical, as bandeiras eram fundamentais, seja a bandeira francesa (símbolo da igualdade recentemente conquistada), seja a bandeira vermelha, que ficou no imaginário mundial como marca das revoltas contra a ordem burguesa. Revoltados pela falência do sistema de representação política nacional e insatisfeitos com a postura dos partidos da ordem, os jovens se manifestam contra todos os partidos e seus símbolos, inclusive colocando nesta lista as entidades sindicais, populares e estudantis, vistas como mera extensão das representações partidárias.

Todos que saíram a navegar por novos caminhos na história da humanidade precisaram definir um porto de destino. Os franceses em suas barricadas queriam chegar na igualdade política e material. Logo após os episódios retratados pelo musical protagonizaram a Comuna de Paris, evento que marca a primeira experiência de constituição de um aparato estatal (mesmo que breve) que superava o poder do nascente capitalismo. E nossos jovens, para que porto de destino de mudança pretendem conduzir nosso país?

Copiei um trecho da canção final do filme, que é entoada pelas barricadas futuras, quem sabe para nos fazer refletir sobre as nossas:

Você se unirá à nossa cruzada?

Quem será forte e ficará ao meu lado?

Em algum lugar além da barricada.

Há um mundo que deseje ver?

Ouve as pessoas cantando?

Ouve os tambores ao longe?

Este é o futuro que traremos

Quando o amanhã chegar.

 

Ou seja, para construir o futuro que queremos para o Brasil é saber claramente o caminho. Colocar a revolta pra fora, em um turbilhão de cartazes (me disseram que faltou cartolina no comércio de Recife!) é muito importante.

Valorizar a importância das bandeiras também.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Oxigênio, urgente!


Uma das polêmicas travadas nas redes sociais era se estava correto se falar que o “gigante acordou”. Muitos ativistas do movimento social, que durante décadas vem batalhando contra os abusos do poder público reagiram e declararam que nunca o gigante esteve dormindo. E vi também que muitos indiretamente acusaram o movimento de ser apenas o despertar da classe média, pois a periferia nunca dormiu.

As coisas são um pouco mais complexas. É verdade que não começamos a lutar por direitos em nosso país na semana passada. Isso é óbvio inclusive para a juventude, quanto mais para os trabalhadores, índios, ambientalistas, professores e a lista poderia seguir por mais algumas minhas neste post.

Acontece que as mobilizações colocaram em cena novos atores sociais. A juventude pós-democracia saiu das redes sociais, do comodismo, da baixa participação e se radicalizou de forma muito acelerada.

Porém, ao contrário das mobilizações da década de 80 contra a ditadura ou as dos anos 90 que depuseram Collor de Melo, as manifestações atuais não estão ancoradas nas organizações populares ou estudantis existentes, muito menos nos partidos (conservadores ou progressistas). E isto faz uma enorme diferença.

Um exemplo disso é que críticas aos gastos e remanejamentos vinculados à Copa do Mundo faziam parte da mobilização de setores organizados, especialmente da Igreja Católica. Mas estes movimentos conseguiam atrair apenas a vanguarda do movimento social para suas atividades e, caso não houvesse um novo ator em cena, suas manifestações teriam ocupado uma nota de rodapé na imprensa nacional e a cobertura da Copa da Confederações teria conseguido transformar o país em uma enorme torcida pela seleção.

Outro exemplo é que a UNE realizou seu último Congresso dias antes da eclosão dos protestos e, apesar de enorme esforço de mobilização para eleição de delegados, a participação das entidades estudantis ainda é muito lateral nas manifestações (mesmo que não se possa dizer o mesmo da participação dos jovens universitários).

Eu acredito que será necessário aprender com os jovens. A forma de fazer política e de reivindicar os direitos vai precisar ser reinventada. As nossas entidades sindicais, populares e estudantis precisarão alterar a sua prática, aproveitar o oxigênio novo que vem das ruas para se desburocratizar, sair do comodismo das negociações de gabinete, caso contrário, perderão legitimidade aos olhos do povo que julgam representar. O desgaste não atinge somente os partidos tradicionais, atinge os partidos mais ideológicos e as entidades.

 

As manifestações e a educação


Em todas as manifestações há um forte repúdio aos elevadíssimos gastos governamentais com a Copa do Mundo (e das Confederações) e é feita uma comparação com a precariedade dos serviços de educação. No ato de Brasília vários cartazes tratavam deste tema. Recordo de um que dizia que o Brasil ganhou de 3 a 0 do Japão no futebol e perdeu de 10 a 0 pra eles em educação.

É verdade que somente agora algumas reivindicações começam a ficar mais concretas, como foi o caso da redução das tarifas dos transportes urbanos e a rejeição da PEC 37, que tenta inibir as investigações realizadas pelo Ministério Público. Mas educação e saúde ainda continuam no campo da denúncia ou no contraponto aos gastos da Copa (quero uma educação na padrão Fifa!).

Recentemente a sociedade civil organizada (que não é quem está mobilizando a juventude que ocupa as ruas do país!) travou forte batalha para tornar o próximo Plano Nacional de Educação algo digno do nome. Esta mobilização foi feita nos moldes vigentes, ou seja, pressão presencial ou virtual sobre os parlamentares federais, alguns atos pequenos nos corredores do Congresso e muita negociação nos gabinetes. Algumas vitórias foram arrancadas, como a inscrição de 10% do PIB para a educação pública no substitutivo da Câmara.

As manifestações atuais começaram alguns dias depois da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovar o relatório Pimentel e retroagir nas principais conquistas arrancadas às duras penas na Câmara.

Acredito que a situação do governo e dos partidos mudou radicalmente nos últimos dias. A capacidade governamental de fazer e acontecer, aprovar o que quiser sem que as reações se façam sentir, acabou. Há um sentimento de que governos e partidos só aprontam contra o povo, usam nosso dinheiros em proveito próprio, esbanjam em circo enquanto falta o pão.

O desafio é auxiliar os nossos jovens a transformarem a crítica a situação deplorável da educação nacional em pauta de reivindicação concreta. Eu fiz uma experiência na manifestação de quinta-feira. Ganhei de presente dos meus alunos um cartaz com a inscrição “10% do PIB para a educação pública” e desfilei com ele na manifestação. Senti enorme empatia com os que ali estavam. Era um pequeno cartaz, mas sei que alunos da UnB também levaram faixas com os mesmos dizeres.

A possibilidade do governo “passar o rolo compressor” nas conquistas obtidas na Câmara são menores hoje. Mesmo que as manifestações não tenham colocado como parte da pauta de reivindicações nenhuma referência direta com o PNE ou sobre o percentual de investimento público em educação, mas os governos estão mais frágeis e os grandes partidos também. E nesta horas eles começam a tentar anunciar pequenas bondades, no afã de que o doce na boca da criança faça ela parar de chorar, mesmo que tal conduta não resolva a fome de justiça social.

Caso as entidades da sociedade civil consigam interagir com esta juventude que decidiu escrever os livros de história nas ruas das cidades brasileiras, o destino do PNE pode ser completamente diferente.

 

Aprendizado das ruas


Ontem à tarde fui ministrar minha aula na UnB. Ao chegar, meus alunos estavam preparando cartazes para a manifestação que começaria um pouco depois. Uma das alunas me mostrou o seu cartaz, o qual dizia algo mais ou menos assim: deixei meus livros de química pra escrever os livros de história.

Decidi acompanhar os meus alunos ao ato realizado em frente ao Congresso Nacional.

Em abril completei 50 anos e, portanto, eu faço parte de outra geração. A minha geração nasceu e cresceu sob governos autoritários e tivemos de muito cedo ir às ruas para redemocratizar o pais. Foram tempos difíceis e nossas manifestações eram monitoradas pelas forças de segurança, mas existem muito maus semelhanças do que diferenças com os fatos que estamos vivendo neste momento no Brasil.

A primeira semelhança é a frustração com o poder constituído. Acho que minha geração estava com justeza revoltada com a injustiça social e com a falta de liberdade vigente. A primeira passeata que participei foi para libertar um agente de pastoral vinculado a Dom Helder Câmara e foi organizada pelas pastorais da juventude. A segunda foi para reivindicar meia passagem no transporte público de Belém do Pará.

A juventude que hoje está nas ruas nasceu e cresceu na democracia, mas as sementes de justiça social que minha geração plantou não prosperaram e democracia não se tornou sinônimo de inclusão social e de melhores condições de vida. E mais, nossos jovens foram chamados a votar de dois em dois anos e presenciaram a deterioração da política partidária, a roubalheira como regra, a transformação de cargos de representação em oportunidades de negócios obscuros. A revolta contra os partidos (acho que seria melhor circunscrever a mesma aos partidos da ordem!) tem elementos concretos na frustração das expectativas com a democracia representativa.

Muitos anos atrás me encantei com um livro cujo título era “Dez dias que abalaram o mundo” e tratava das grandes mobilizações que derrubaram o czar na Rússia e implantaram a primeira república socialista do mundo.

Lembrei deste livro por que havia um sentimento de que a geração pós-democracia havia se acomodado, não ouvia os chamados das entidades estudantis, havia até uma diminuição do número de votantes nos processos eletivos de suas entidades. De outro lado, ocorreu uma perda considerável de energia no movimento sindical, cada vez mais distante de qualquer questionamento ao poder vigente. E, de repente, as coisas começam a mudar, os jovens voltam a sair às ruas, de forma espontânea, via redes sociais, por fora das organizações existentes, querendo distância os partidos, mas gritando palavras-de-ordem, enfrentando a polícia, “caminhando e cantando” e encurralando os governos, que já estavam muito mal acostumados a fazer as piores coisas sem que houvesse reação popular. E em poucos dias colocaram o país de cabeça pra baixo.

É um movimento com algumas diferenças do que vivi na minha juventude. Éramos mais organizados, tínhamos lideranças claras e valorizávamos isso e possuíamos um norte mais claro do que queríamos fazer com o mundo. Não consegui ver lideranças nem organização no ato de ontem, talvez por isso seja tão fácil que os mesmos percam o controle e ocorram episódios de depredação sem motivos claros. E só lentamente parece se materializar um conjunto mais claro de reivindicações (além da redução das tarifas do transporte).

O principal é que o Brasil e os seus jovens não serão os mesmos. E acho que as organizações estudantis, populares e sindicais e, quem sabe, os partidos também não.  

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Exemplo que vem de longe


Enquanto a educação vira tema recorrente dos discursos oficiais, inclusive tendo sido um dos eixos da fala de primeiro de maio da presidenta Dilma, um exemplo concreto nos chega da cidade de Macapá, capital do Amapá.

Hoje, em solenidade na Câmara Municipal, o Prefeito Clécio Luis (PSOL) sancionou a Lei nº. 2047 que destina 100% dos royalties para a educação.

O gesto prático é revestido de muito simbolismo e de forte coragem política. Explico melhor:

1.       O Estado do Amapá não é ainda um estado produtor de petróleo, e devido a esta situação e as regras vigentes recebe apenas parte pequena dos 8% dos royalties que são repartidos igualmente por todos os estados e municípios brasileiros. A previsão de arrecadação de royalties de Macapá para 2013 é de apenas R$2,8 milhões, pouco diante de um orçamento educacional de R$ 129 milhões.

2.       Porém, caso o STF decida reconhecer a decisão do Congresso Nacional sobre a repartição dos royalties, a cidade de Macapá passará a receber algo em torno de R$ 14 milhões.

3.       E mais, acaba de ocorrer um leilão concedendo a empresas estrangeiras e a Petrobrás o direito de exploração de petróleo na costa amapaense, ou seja, em breve o Amapá se tornará estado produtor e o volume dos royalties da cidade de Macapá dará um salto gigantesco.

A decisão de hoje é histórica, poucos prefeitos tiveram esta coragem e coerência. E é corajosa por que o gestor tem conhecimento de que em breve receberá muito mais e está garantido que tudo, independentemente do tamanho, será destinado integralmente à educação.

Que o governo federal resolva seguir este exemplo e aperfeiçoe sua proposta tímida que tramita no Congresso.

Que os demais governadores e prefeitos (produtores ou não) também sigam este exemplo.

A educação agradece.